Inconfidência Mineira, também referida como Conjuração Mineira, foi uma conspiração de natureza separatista que ocorreu na então capitania de Minas Gerais, Estado do Brasil, entre outros motivos, contra a execução da derrama e o domínio português, sendo reprimida pela Coroa portuguesa em 1789.
Desde a primeira metade do século XVIII ocorreram na capitania de Minas Gerais sucessivos motins. As razões para tais ocorrências variavam em torno de questões como tributação, abastecimento de alimentos e ações das autoridades, com destaque para a Guerra dos Emboabas e a Revolta de Filipe dos Santos. Enquanto alguns levantes buscavam apenas a restauração de um equilíbrio de poder, outros afrontaram a imposição da soberania régia. Foi o caso da sedição do sertão do rio São Francisco, ocorrida em 1736 e que se voltou contra as autoridades reais e a capitação — cobrança dos quintos reais realizada com base no número de escravos.
Durante o reinado de D. José I (1750–1777), eclodiram inconfidências em locais isolados de Minas — Curvelo (1760-1763), Mariana (1769), Sabará (1775) e de novo Curvelo (1776) —, sempre em função de atritos com autoridades e seus aliados. Ao contrário da Inconfidência Mineira, esses motins anteriores implicavam manifestações concretas de violência, com a população na rua, arruaças, vivas à liberdade e referência a apoios de outras potências colonizadoras.
Desde meados do século XVIII fazia-se sentir o declínio da produção aurífera nas Minas Gerais.[2] Por essa razão, na segunda metade desse século, a Coroa portuguesa intensificou o controle fiscal sobre a sua colônia na América do Sul, proibindo, em 1785, as atividades fabris e artesanais na colônia e taxando severamente os produtos vindos da metrópole.
Vila Rica
Os principais acontecimentos da Inconfidência Mineira ocorreram em Vila Rica. Consta que as primeiras pessoas ali chegaram por volta do final do século XVII, sendo que o primitivo arraial tomou grande impulso entre os anos de 1700 a 1705. Em 1711, os diversos agrupamentos populacionais da região acabaram sendo reunidos num só núcleo, sendo elevado à categoria de “vila” com o nome de Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Albuquerque, em homenagem a António de Noronha de Albuquerque, que ocupava o cargo de governador da recém-fundada capitania de São Paulo e das Minas do Ouro. Dom João V, que passara a ocupar o trono português a partir do início de 1707 no lugar de seu pai, Pedro II de Portugal, abreviou-lhe o nome apenas para Vila Rica.
Em pouco tempo, Vila Rica cresceu enormemente e, em 1723, já havia se tornado a capital das Minas Gerais. Por volta da metade do século XVIII, haveria de se transformar na maior cidade brasileira e o principal centro econômico da América portuguesa. Os homens mais ricos da colônia fariam da cidade o local de suas residências, bem como os mais destacados intelectuais. Existiam muitas construções de dois andares, as ruas centrais eram pavimentadas com pedras, ao contrário da maior parte das cidades do Brasil, e as igrejas apresentavam altares revestidos com ouro. Em 1786 apenas vinte e sete estudantes brasileiros estudavam na Universidade de Coimbra, sendo doze deles oriundos da capitania das Minas.
Casas de Fundição
Todas as terras do Brasil pertenciam ao Reino de Portugal, personificado pela pessoa de seu rei. Este permitiria a qualquer súdito explorar as suas riquezas, exigindo em troca apenas uma pequena parcela para si, ou seja, o quinto. O grande problema era a forma como se procedia à arrecadação. Ninguém poderia sair da capitania, levando ouro que não tivesse sido quintado. Aliás, a partir do início do funcionamento das casa de fundição, ninguém mais poderia carregar ouro em pó. Esta medida provocou enorme descontentamento na população, pois nem todos tinham ouro suficiente para ser transformados em barras, como os mais pobres, que nunca juntavam o suficiente e, por isso, continuaram vivendo como se a lei não fosse com eles. Além do mais, tal proibição acabou gerando problemas sérios no comércio, uma vez que o ouro em pó constituía-se na principal moeda de troca da época, pois era fácil pesar e fragmentar.
Em setembro de 1717, o Conde de Assumar criou a primeira casa de fundição em Minas. Até a construção delas, os mineradores que pagavam os impostos sobre a extração do ouro recebiam certificados de pagamento. Quem não exibisse este documento, teria todo seu ouro confiscado. A 11 de fevereiro de 1719, Dom João V assina uma lei criando as casa de fundição, mudando novamente as regras para a cobrança do imposto. Proibia-se terminantemente a circulação de ouro em pó. Quem fosse apanhado com isso e não estivesse se dirigindo para as Casas de Fundição seria tratado como contrabandista, teria seus bens confiscados e poderia, até mesmo, ser deportado para a África. Era mais uma tentativa que visava acabar com o contrabando e que, evidentemente, não deu certo. Todo o ouro extraído das minas deveria ser levado até as casa de fundição onde seria pesado e transformado em barras, recebendo o selo real. Neste processo, descontavam-se automaticamente não só os vinte por cento referentes ao quinto, como também todas as despesas da própria fundição. Tão logo as casa de fundição começaram a funcionar, Dom João V teve a grata satisfação de ver a sua receita real aumentar enormemente. Em 1724 foram arrecadadas em torno de 36 arrobas de ouro. No ano seguinte, a arrecadação deu um salto extraordinário, subindo para 133 arrobas.
Capitação e Derrama
Após a euforia inicial dos primeiros anos, Dom João V, passou a achar que seus leais súditos estavam sonegando os impostos e lesando a Real Fazenda. Não importava quanto ouro arrecadassem. Para a corte portuguesa, as minas eram infinitas e, se não se alcançava a quantia desejada, era porque os mineradores empalmavam a parte que cabia ao rei por direito. As casa de fundição não serviam mais para seus intentos. Então, a Coroa decidiu acabar com elas, substituindo-as por um novo sistema de arrecadação: a Capitação, no qual os impostos eram "pagos por cabeça". O plano foi colocado em prática após o novo governador, Dom André de Melo e Castro, o Conde de Galveias, tomar posse a 1º de setembro de 1732. Estipulou-se que o valor pago seria da ordem de 17 gramas de ouro por escravo a cada seis meses.
A arrecadação real em 1749 tinha sido de quase 1800 quilos de ouro. Porém a coroa portuguesa não estava satisfeita e decidiu restabelecer o regime dos quintos arrecadados nas casa de fundição. Em 1783 fora nomeado para governador da capitania de Minas Gerais D. Luís da Cunha Meneses, reputado pela sua arbitrariedade e violência. Sem compreender a real razão do declínio da produção aurífera - o esgotamento das jazidas de aluvião - e atribuindo o fato ao "descaminho" (contrabando), Meneses estabeleceu uma cota mínima a ser paga por ano: cem arrobas de ouro. Caso este valor não fosse atingido, a Coroa lançava a derrama, uma contribuição coletiva, rateada entre todos os moradores da capitania, mineradores ou não, para cobrir os prejuízos do rei.
Até 1766, a cota foi sempre atingida. Contudo, com o esgotamento das minas, os mineiros não conseguiram mais pagar o tributo, que foi se acumulando ano a ano. Então, por volta de 1788, começa-se a se falar que a derrama seria cobrada e todos iriam à falência.
O movimento
Estes fatos atingiram expressivamente a classe mais abastada de Minas Gerais (proprietários rurais, comerciantes, intelectuais clérigos e militares), que, descontentes, começaram a se reunir para conspirar. Entre esses descontentes destacavam-se, entre outros, os contratadores João Rodrigues de Macedo e Domingos de Abreu Vieira, os padres José da Silva e Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa e Carlos Correia de Toledo e Melo, o cônego Luís Vieira da Silva, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, o coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes, o capitão José de Resende Costa e seu filho José de Resende Costa Filho, o sargento-mor Luís Vaz de Toledo Pisa e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apelidado de "Tiradentes".
A conjuração pretendia eliminar a dominação portuguesa de Minas Gerais, estabelecendo um país independente. Não havia a intenção de libertar toda a colônia brasileira, pois naquele momento uma identidade nacional ainda não havia se formado. A forma de governo escolhida foi o estabelecimento de uma República, inspirados pelas ideias iluministas da França e da Independência dos Estados Unidos da América (1776). Ressalve-se que não havia uma intenção clara de libertar os escravos, já que muitos dos participantes do movimento eram detentores dessa mão de obra.
Entre outros locais, as reuniões aconteciam em casa de Cláudio Manuel da Costa e de Tomás Antônio Gonzaga, onde se discutiram os planos e as leis para a nova ordem, tendo sido desenhada a bandeira da nova República, — uma bandeira branca com um triângulo e a expressão latina "Libertas Quæ Sera Tamen" —, cujo dístico foi aproveitado de parte de um verso da primeira écloga de Virgílio e que os poetas inconfidentes interpretaram como "liberdade ainda que tardia".
O novo governador das Minas, Luís António Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, visconde de Barbacena, foi enviado com ordens expressas para lançar a derrama, razão pela qual os conspiradores acertaram que a revolução deveria irromper no dia em que fosse decretado o lançamento da mesma. Esperavam que nesse momento, como apoio do povo descontente e da tropa sublevada, o movimento fosse vitorioso.
Prisões e julgamentos
A conspiração foi desmantelada em 1789, ano da Revolução Francesa. O movimento foi traído por Joaquim Silvério dos Reis, que fez a denúncia para obter perdão de suas dívidas com a Coroa.[9][10] O visconde de Barbacena mandou abrir, em junho de 1789, a sua Devassa com base nas denúncias de Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago, Inácio Correia Pamplona, tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Domingos de Abreu Vieira e de Domingos Vidal Barbosa Lage.
Os réus foram acusados do crime de "lesa-majestade" como previsto pelas Ordenações Filipinas, Livro V, título 6, materializado em "inconfidência" (falta de fidelidade ao rei):
"Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa."
Os líderes do movimento foram detidos e enviados para o Rio de Janeiro. Ainda em Vila Rica (atual Ouro Preto), Cláudio Manuel da Costa morreu na prisão na Casa dos Contos, onde estava preso assim como outros conspiradores com altos títulos sociais, e onde acredita-se tenha sido assassinado, suspeitando-se, em nossos dias que a mando do próprio Governador. Durante o inquérito judicial, todos negaram a sua participação no movimento, menos o alferes Joaquim José da Silva Xavier, que assumiu a responsabilidade de chefia do movimento.
Em 18 de abril de 1792 foi lida a sentença no Rio de Janeiro. Doze dos inconfidentes foram condenados à morte. Mas, em audiência no dia seguinte, foi lido decreto de Maria I de Portugal pelo qual todos, à exceção de Tiradentes, tiveram a pena comutada.
Os degredados civis e militares foram remetidos para as colônias portuguesas na África, e os religiosos recolhidos a conventos em Portugal. Entre os primeiros, viriam a falecer pouco depois de terem chegado à África, o contratador Domingos de Abreu Vieira, o poeta Alvarenga Peixoto e o médico Domingos Vidal Barbosa Lage. Os sobreviventes reergueram-se integrados no comércio e na administração local, alguns mesmo tendo se reintegrado na vida política brasileira.
As penas de morte foram comutadas em pena de degredo, exceto a de Joaquim José da Silva Xavier, executado em 21 de abril de 1792.
Pena de morte
Alferes Joaquim José da Silva Xavier — o Tiradentes
Pena comutada para degredo
Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade
José Álvares Maciel
Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto
Tenente-coronel Domingos de Abreu Vieira
Coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes
Sargento-mor Luiz Vaz de Toledo Piza
Cirurgião Salvador Carvalho do Amaral Gurgel
Capitão José de Resende Costa
José de Resende Costa (filho)
Domingos Vidal de Barbosa Laje
Condenados a degredo perpétuo
Desembargador Tomás Antônio Gonzaga
Capitão Vicente Vieira da Mota
Coronel José Aires Gomes
Antônio de Oliveira Lopes
João da Costa Rodrigues
Vitoriano Gonçalves Veloso (foi açoitado antes de ser degredado)
Condenados a exílio de dez anos
Capitão João Dias da Mota
Tenente Fernando José Ribeiro
Condenado às galés
José Martins Borges
"Mandados em paz"
Faustinho Soares de Araújo
Manuel da Costa Capanema (ou Manuel da Silva Capanema)
Absolvidos
Domingos Fernandes da Cruz
Alexandre Silva (ou Alexandre Pardo)
Manoel José de Miranda
João Francisco das Chagas
Falecidos no cárcere
Cláudio Manuel da Costa
Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes
Francisco José de Mello
Sentença sigilosa (réus clérigos)
Cônego Luís Vieira da Silva
Padre José da Silva e Oliveira Rolim
Padre Carlos Correia de Toledo e Melo
Padre Manuel Rodrigues da Costa
Padre José Lopes de Oliveira
Tiradentes foi o único condenado à morte por enforcamento, sendo a sentença executada publicamente em 21 de abril de 1792, no Campo da Lampadosa. Outros inconfidentes haviam sido condenados à morte, mas tiveram suas penas comutadas para degredo.
Após a execução, o corpo foi levado em uma carreta do Exército para a Casa do Trem (hoje parte do Museu Histórico Nacional), onde foi esquartejado. O tronco do corpo foi entregue à Santa Casa da Misericórdia, sendo enterrado como indigente. A cabeça e os quatro pedaços do corpo foram salgados, para não apodrecerem rapidamente, acondicionados em sacos de couro e enviados para as Minas Gerais, sendo pregados em pontos do Caminho Novo onde Tiradentes pregou suas ideias revolucionárias. A cabeça foi exposta em Vila Rica (atual Ouro Preto), no alto de um poste defronte à sede do governo. O castigo era exemplar, a fim de dissuadir qualquer outra tentativa de questionamento do poder da metrópole.
Em outubro de 1786, Thomas Jefferson, então embaixador dos Estados Unidos na França, recebeu uma correspondência oriunda da Universidade de Montpellier, assinada com o pseudônimo de Vendek. O missivista dizia ter assunto muito importante a tratar, porém queria que Jefferson recomendasse um canal seguro para a correspondência. Jefferson procurou fazer imediatamente, sendo que em maio do ano seguinte, 1787, a pretexto de visitar as antiguidades de Nîmes, Jefferson acertou um encontro com Vendek. Jefferson comunicou a sua conversa com Vendek à comissão para a correspondência secreta do congresso continental americano: "Eles consideram a Revolução Norte-Americana como um precedente para a sua", escreveu o embaixador; "pensam que os Estados Unidos é que poderiam dar-lhes um apoio honesto e, por vários motivos, simpatizam conosco (...) no caso de uma revolução vitoriosa no Brasil, um governo republicano seria instalado".
Vendek era José Joaquim Maia e Barbalho, estudante da Universidade de Coimbra (1782–1785) e da Universidade de Montpellier (1786–1787). Jefferson respondeu a Maia que não tinha autoridade para assumir um compromisso oficial, mas que uma revolução vitoriosa no Brasil, obviamente, disse ele, "não seria desinteressante para os Estados Unidos, e a perspectiva de lucros poderia, talvez, atrair um certo número de pessoas para a sua causa, e motivos mais elevados atrairiam outras".
O episódio ficou conhecido como "Missão Vendek". Domingos Vidal Barbosa Lage confessou que José Joaquim Maia e Barbalho teria ficado profundamente decepcionado com a atitude de Thomas Jefferson, que aconselhara o Brasil a conquistar sua liberdade através das próprias forças, sem oferecer apoio logístico. José Joaquim Maia e Barbalho disse que o embaixador norte-americano havia o julgado “pela casca”, ou seja, por sua aparência e pelas suas roupas.
Um relatório minucioso dos comentários de Jefferson pode ter chegado ao Estado do Brasil pelas mãos de Domingos Vidal Barbosa Lage, médico formado na Universidade de Montpellier.
A Inconfidência Mineira transformou-se em símbolo máximo de resistência para os mineiros, a exemplo da Guerra dos Farrapos para os gaúchos, da Conjuração Baiana para os baianos, da Revolução Constitucionalista de 1932 para os paulistas, da Revolução Pernambucana de 1817 e Confederação do Equador de 1824 para os Pernambucanos. A bandeira idealizada pelos inconfidentes foi adotada por Minas Gerais.
Tiradentes foi alçado pela República Brasileira à condição de mártir da independência do Brasil e como um dos precursores da República no país.
Conjuração Baiana, também denominada como Revolta dos Alfaiates (uma vez que alguns participantes da trama exerciam este ofício) e recentemente também chamada de Revolta dos Búzios, foi um movimento de caráter emancipacionista, ocorrido no final do século XVIII (1798-1799), na então Capitania da Bahia, na colônia brasileira. Diferentemente da Inconfidência Mineira (1789-1792), foi difundida pela historiografia tradicional enquanto sendo um movimento de caráter popular em que defendiam a independência e mais igualdade racial, um governo republicano, democrático, com liberdades plenas, o livre comércio e abertura dos portos como principais pontos, além de um salário maior para os soldados.
O movimento teve participação de pessoas com profissões mais simples, como sapateiros, bordadores, ex-escravos e escravos, além, claro, de alfaiates.
A revolta teve grande influência de ideias iluministas, que ganharam força com a Revolução Francesa, além de alguns processos de independência no continente americano, como Estados Unidos e Haiti, junto com a Inconfidência Mineira.
A população se encontrava em um nível muito grande de insatisfação. Esse cenário começou alguns anos antes, quando foi decidido que Salvador deixaria de ser capital e que o Rio de Janeiro seria o novo local central da colônia. Com a diminuição da atenção para a Bahia, recursos passaram a ser menores, o que provocou dificuldades administrativas. Havia carência de alguns alimentos e os impostos cobrados eram altos para a população, o que acabou culminando na revolta.
Entre os principais líderes do movimento destacaram-se os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas e os alfaiates Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus Nascimento. Os quatro conjurados eram negros e pardos, e foram condenados à forca. Também esteve envolvido na conjuração o jornalista e cirurgião Cipriano Barata, que recebeu pena branda.
A revolta pretendia surpreender o governo, mas acabou falhando, uma vez que um dos integrantes contou os detalhes dos planos, permitindo que forças militares fossem mobilizadas para reprimir os revoltosos.
No ano de 1798, Portugal e a Europa como um todo, passavam por problemas e mudanças políticos, que anos mais tarde resultaria na vinda da família real para o Brasil. Vale ressaltar que a França, um grande agente histórico dessas mudanças, teve alguma participação direta na da Conjuração Baiana. Recentemente, pesquisadores tiveram acesso à documentos franceses, onde há uma comunicação entre autoridades francesas, sondando a possibilidade de que a França revolucionária pudesse intervir militarmente e politicamente para apoiar o movimento que se desenvolvia na Bahia contra a monarquia e o domínio português.
A Capitania da Bahia, durante a última década do Séc. XVIII, devido a diversas guerras e conflitos, vinha tendo sua economia estimulada em um novo ciclo de alta da economia colonial no mundo, tendo a exportação como principal característica.
A cana-de-açúcar também tem um papel importante. No Nordeste, o produto havia entrado em decadência no final do século XVII, mas houve uma recuperação considerável no final do século XVIII. Uma das razões para essa recuperação foi a eclosão da Revolução Haitiana, que comprometeu significativamente a produção do açúcar caribenho e acabou reabrindo o mercado europeu para o açúcar baiano.
Outro produto cultivado na Bahia era o tabaco, que servia como moeda de troca no tráfico de escravos realizado pelo mundo. Essa prática era ilegal e por isso irritava a corte portuguesa. As autoridades não se sentiam confortáveis com essa prática. Além disso, o tabaco também era trocado por produtos manufaturados de outros países europeus, o que violava o pacto colonial, que só permitia a compra de produtos de Portugal.
Com a intenção de controlar mais o comércio da Bahia, a coroa portuguesa criou algumas leis. Uma delas obrigava o cultivo de determinados alimentos para evitar o desabastecimento e a fome. Como o lucro era a principal preocupação, os grandes latifundiários da época resistiam, focavam apenas no cultivo da cana e descumpriam a lei.
Isso provocou o aumento considerável dos preços da mandioca, por exemplo, gerando crises de abastecimento para uma população que tinha na farinha da mandioca um de seus principais componentes nutricionais. Com o aumento da população escrava trazida para a indústria do açúcar, a fome e o contato com as ideias radicais da revolução francesa, as tensões sociais na Bahia começaram a transbordar.
O monopólio dos comerciantes portugueses, o alto lucro com o açúcar e a elevação exorbitante da renda dos senhores de engenho, ajudaram a deteriorar a situação. Incidentes espalhados como o saque de armazéns e até o incêndio do pelourinho, espalhavam-se pela região. Notícias de revoltas e movimentos vindos de lugares como Haiti, Estados Unidos, França, outras colônias e até Minas Gerais, formaram o caldo da revolta.
Sendo então a Capitania da Bahia governada por D. Fernando José de Portugal e Castro (1788-1801), a capital, Salvador, fervilhava com queixas contra o governo, cuja política elevava os preços das mercadorias mais essenciais, causando a falta de alimentos, chegando o povo a arrombar os açougues, ante a ausência de carne.
O clima de insubordinação contaminou os quartéis, e as ideias emancipacionistas, que já haviam animado Minas Gerais, foram amplamente divulgadas, encontrando eco sobretudo nas classes mais humildes.
A todos influenciava o exemplo da independência das Treze Colônias Inglesas, e ideias iluministas, republicanas e emancipacionistas eram difundidas também por uma parte da elite culta, reunida em associações como a Loja Maçônica Cavaleiros da Luz.
Os 6 pontos da conjuração baiana eram:
Abolição da Escravatura
Proclamação da República
Diminuição dos Impostos
Abertura dos Portos
Fim do Preconceito
Aumento Salarial
Um dos seus principais líderes foi Cipriano Barata, cirurgião conhecido como médico dos pobres e revolucionário de todas as revoluções. Há grande influência da sociedade maçônica (Cavaleiros da Luz) e do processo de independência do Haiti, ou Haitianismo.
Os revoltosos pregavam a libertação dos escravos, a instauração de um governo igualitário (no qual as pessoas fossem vistas de acordo com a capacidade e merecimento individuais), por meio da instalação de uma república na Bahia. Defendiam a liberdade de comércio e o aumento dos salários dos soldados. Tais ideias eram divulgadas sobretudo pelos escritos do soldado Luiz Gonzaga das Virgens e pelos panfletos de Cipriano Barata, cirurgião e filósofo.
Em 12 de agosto de 1798, o movimento precipitou-se quando alguns de seus membros, distribuindo os panfletos na porta das igrejas e colando-os nas esquinas da cidade, alertaram as autoridades que, de pronto, reagiram, detendo-os.[5][9][10] Tal como na Conjuração Mineira, interrogados, acabaram delatando os demais envolvidos.
Um desses panfletos declarava:
Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais.— RUY, Afonso. A primeira revolução social do Brasil. p. 68.
Esses panfletos foram fixados na esquina da Praça do Palácio, nas paredes da cabana da preta Benedita, na Igreja de São Bento, entre outros locais de grande circulação, pontos centrais da cidade e convocavam a população para revolução que atenderia às demandas do povo, separando a Bahia do domínio de Portugal. Nesse mesmo dia, d. Fernando José de Portugal e Castro, governador da Bahia, ordenou a abertura de uma investigação para descobrir os responsáveis, comandada por José Pires de Carvalho e Albuquerque.
Além disso, assim que a investigação foi aberta, foi feito uma avaliação nas ortografias destes papéis. Após a conclusão, foi ordenada a prisão de Domingos da Silva Lisboa.
No dia 20 de agosto de 1798, foram encontradas duas cartas na Igreja do Carmo assinadas por "anônimos republicanos". Os documentos, assim como os panfletos, conclamavam uma revolução para exaltar "a bandeira da igualdade, Liberdade, e fraternidade Popular…".
Durante a fase de repressão, centenas de pessoas foram denunciadas - militares, clérigos, funcionários públicos e pessoas de todas as classes sociais. Destas, quarenta e nove foram detidas, a maioria tendo procurado abjurar a sua participação, buscando demonstrar inocência.
Após a continuidade da investigação e prisão dos envolvidos, a Ordem dos Carmelitas Descalços foi convocada pelas autoridades a tomarem confissão e acompanharem os condenados. Entre os relatos destaca-se o do Frei José do Monte Carmelo.
O religioso afirma que Manuel Faustino, tentou se suicidar várias vezes por “influência nefasta do demônio”. Os outros presos afirmaram ao frei que também tiveram estes pensamentos. Nos relatos dele, ele afirma que os indivíduos mostraram arrependimento e se aproximaram da religião. Outros dois condenados, João de Deus e Luiz Gonzaga, tentaram fingir uma condição de loucura, “perdendo o juízo” diversas vezes.
Finalmente, no dia 8 de novembro de 1799, procedeu-se à execução dos condenados à pena capital, por enforcamento, na seguinte ordem: soldado Lucas Dantas do Amorim Torres, aprendiz de alfaiate Manuel Faustino dos Santos Lira, soldado Luís Gonzaga das Virgens e mestre alfaiate João de Deus Nascimento. De acordo com o frei, tropas militares ocupavam a Praça da Liberdade e havia ampla presença do povo, que se reuniu para assistir. Havia banda de cornetas e tambores. A cerimônia começou por volta das onze horas, com os presos caminhando com as mãos algemadas nas costas. O quinto condenado à pena capital, o ourives Luís Pires, fugitivo, jamais foi localizado.
Pela sentença, todos tiveram os seus nomes e memórias "malditos" até à 3a. geração. Os despojos dos executados foram expostos da seguinte forma: a cabeça de Lucas Dantas ficou espetada no Campo do Dique do Desterro; a de Manuel Faustino, no Cruzeiro de São Francisco; a de João de Deus, na Rua Direita do Palácio (atual Rua Chile); e a cabeça e as mãos de Luís Gonzaga ficaram pregadas na forca, levantada na Praça da Piedade, então a principal da cidade.
Depois do cumprimento das penas de morte, devido ao calor intenso de Salvador, os pedaços dos corpos começaram a entrar em decomposição. Segundo o frei, a cidade foi tomada por urubus. No dia 11 de novembro de 1799, o relato é de que o “ar da cidade era irrespirável; a podridão invadira todas as casas e a população temia por sua saúde”. Esses despojos ficaram à vista, para exemplo da população, por cinco dias, tendo sido recolhidos no dia 13 pela Santa Casa de Misericórdia (instituição responsável pelos cemitérios à época do Brasil Colônia), que os fez sepultar em local desconhecido.
Os demais envolvidos foram condenados à pena de degredo, agravada com a determinação de ser sofrido na costa Ocidental da África, fora dos domínios de Portugal, o que equivalia à morte. Foram eles:
José de Freitas Sacota e Romão Pinheiro, deixados em Acará, sob domínio holandês
Manuel de Santana em Aquito, então domínio dinamarquês
Inácio da Silva Pimentel, no Castelo da Mina, sob domínio holandês
Luís de França Pires em Cabo Corso
José Félix da Costa em Fortaleza do Moura
José do Sacramento em Comenda, sob domínio inglês
Cada um recebeu publicamente 500 chibatadas no Pelourinho, à época no Terreiro de Jesus, e foram depois conduzidos para assistir a execução dos sentenciados à pena capital. A estes degredados acrescentavam-se os nomes de:
Pedro Leão de Aguilar Pantoja degredado no Presídio de Benguela por 10 anos
o escravo Cosme Damião Pereira Bastos, degredado por cinco anos em Angola
os escravos Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz, condenados a 500 chibatadas, ficando seus senhores obrigados a vendê-los para fora da Capitania da Bahia
José Raimundo Barata de Almeida, degredado para a ilha de Fernando de Noronha
os tenentes Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges, permaneceram detidos por seis meses em Salvador
Cipriano Barata, detido a 19 de setembro de 1798, solto em Janeiro de 1800
O movimento envolveu indivíduos de setores urbanos e marginalizados na produção da riqueza colonial, que se revoltaram contra o sistema que lhes impedia perspectivas de ascensão social. O seu descontentamento voltava-se contra a elevada carga de impostos cobrada pela Coroa portuguesa e contra o sistema escravista colonial, o que tornava as suas reivindicações particularmente perturbadoras para as elites. A revolta resultou em um dos projetos mais radicais do período colonial, propondo idealmente uma nova sociedade igualitária e democrática. Foi barbaramente punida pela Coroa de Portugal.
Este movimento, entretanto, deixou profundas marcas na sociedade soteropolitana, a ponto tal que o movimento emancipacionista eclodiu novamente, em 1821, culminando na guerra pela Independência da Bahia, concretizada em 2 de julho de 1823, formando parte da nação que emancipara-se a 7 de setembro do ano anterior, sob império de D. Pedro I.